POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
KAMILLY BARROS
Kamilly Barros: Nasceu em Brasília em 1978 e vive em Goiânia desde 1992 (entre 1995 e 1996 estudou na Nova Zelândia).
Graduada, Mestre e Doutoranda em História pela UFG. Professora desde 1996, trabalhou (em português e inglês) em Goiânia, Aparecida de Goiânia, Brasília e Catalão. Em 2010, nasce seu filho Manoel. Em 2014, recomeçou a escrever poesia. Em 2021, publicação de emissões, pela Absurtos, editora paulista que lançara em outubro de 2020 o livro em formato e-book.
Trata-se de uma poeta que merece ser lida com atenta observação, pois não se conforma com as facilidades expressivas da realidade. Para abordar as mesmas realidades à disposição de todos outros criadores contemporâneos, escava a estrutura da a língua, desequilibrando-a, bem como as emissões da cultura atual vindas das redes e das ruas, aventurando outras rotas e notações. É uma poeta que não se conforma em dizer o que está posto. É uma poeta que busca ‘o fora de lugar da fala’, já que produzir é um compromisso de desvirtuação e não de reprodução. SALOMÃO SOUSA
BARROS, Kamilly. _emissões_. Projeto Gráfico: Vanderley Sampaio. Taboão da Serra, São Paulo : Absurtos, 2021. 152 p. 15 x 21 cm ISBN 978-65-86410-15-0
Kamilly Barros: Nasceu em Brasília em 1978 e vive em Goiânia desde 1992 (entre 1995 e 1996 estudou na Nova Zelândia). Graduada, Mestre e Doutoranda em História pela UFG. Professora desde 1996, trabalhou (em português e inglês) em Goiânia, Aparecida de Goiânia, Brasília e Catalão. Em 2010, nasce seu filho Manoel. Em 2014, recomeçou a escrever poesia. Em 2021, publicação de emissões, pela Absurtos, editora paulista que lançara em outubro de 2020 o livro em formato e-book.
Trata-se de uma poeta que merece ser lida com atenta observação, pois não se conforma com as facilidades expressivas da realidade. Para abordar as mesmas realidades à disposição de todos outros criadores contemporâneos, escava a estrutura da a língua, desequilibrando-a, bem como as emissões da cultura atual vindas das redes e das ruas, aventurando outras rotas e notações. É uma poeta que não se conforma em dizer o que está posto. É uma poeta que busca ‘o fora de lugar da fala’, já que produzir é um compromisso de desvirtuação e não de reprodução.
ISBN 978-65-86410-15-0
POEMAS INÉDITOS
Sisyphus' dream OR Sisyphus as a woman
Sofly sighs
her fury at last:
a black stone
round and bright
exits her mouth
at once:
suddenly and
in a hurry;
loudly suggesting
its own event:
its own expelling from the lady's lips
Everything inside
old and hard
there in that newborn shape of driedcondensed flesh of earth
black and bright and round
all covered in density of inners
all coated in memory of storm
But still this time:
and flowing its resigned stillness
hidrologia
sua carne ser carne da água
nos poros grutas de nascente
ser sua boca circunavegada umidade
sede da sede
alta maré
escorrer de suas ondas a vida de uma gota
em seus abismos flutuarem estuários
ser sincronizado seu líquido
seu nado ser em nós
serem suas guelras
meu poder de submersão
suas barbatanas meus fluviais
ser concêntrico o romper de seus espelhos
ribeirinhos seus respingos
náufragas suas margens
seus corais serem a verticalidade de minha chuva
eu vestir seus plânctons fosforescentes
from a certain point of view
skies rain their clouds
prairies grass their greens
waters wet their shines & blues
tiny animals in their crawling climbing flapping
of wings
teach their teachings
to the day
sun watches from above
in his shimmery glimmery mood
of heat
life is
and yet so distant
and indeed so adequate
Rincón
para Susana Thénon
sencilla
tu boca
llena de plumas
subrayados
tus ojos
por una sombra
de árbol
tus senos
señalan
mis manos;
mis pies recorren tus cadenas
tu pelo
dibuja
mi nombre
en azul & olas
tus rojos me enarbolan y
me trespasa una suspensión:
extraño el primer sonido del mundo
(hojas tiemblan)
(cuchillos en la sangre)
Plexopedra
para Arnaldo Antunes
e Augusto de Campos
plexo
pedra
peso
plexo
pedra
voo
plexo
pedra
núcleo
plexo
pedra
flow
Friday I'm in Love OU Matinê
era lindo o corpo todo desenhado, aquela geografia.
a cor da sombra que se projetava na parede nua.
eram lindas aquelas inscrições, o braile bordado
que eu lia com os dedos.
e todos aqueles sinais de nascença, as pintas, as estrias;
a cicatriz da cesariana, os pelos que cresciam desordenados
_ eu observava aquelas constelações como um astrônomo.
eram lindos os olhos muito vivos, caleidoscópicos;
lisérgicos como os da Lucy da canção.
saía deles um épico cênico, um v-effekt que
me distanciava do meu tempo (o século 21);
que me arrastava (me alienava) daquele quarto
para o Mar Egeu.
havia na boca uma pedagogia:
porque o estado de Poesia em que me punha
me fazia certo da mudança de tudo _
o mundo todo transformável,
uma ausência de essências,
eu construindo meu destino (fatídico) enquanto lambia
aqueles lábios, aqueles dentes
aquela linda língua de fera.
era lindo o ar em volta dos contornos:
transtornado pelos telúricos,
ondulado pelos aquáticos.
e como poderia ser ainda mais lindo o som do
sorriso?
era.
era linda a existência do corpo, que (quase)
desafiava as Leis da Física.
era linda a concentração do corpo em um
objeto do mundo (por exemplo, um livro; uma rua)
ou a atenção altérica que tinha para com
uma acácia areias o mar.
era linda a textura do interesse daquele corpo
por mim
(e a intimidade que dela exalava).
era mais que demais de lindo o indefinitivo
daquele corpo.
era a própria lindeza em Sim o seu afirmativo.
era doce & oriental o lindo do savoir-faire do corpo.
era tudo choque
felicidade
esperteza
Bahia no carnaval.
era lindo como era factível. político. acrobático. (mortal).
Benson & Hedges OU Rubrica
antes da ignição
já faíscam os dedos (con avidez ma non troppo)
enquanto o resto do corpo antecipa
cooling.
certa malícia
na boca.
entreabrir de lábios
lentamente dramático (fuoco con espressione).
tudo tensão defronte à chama e
subitopresto
o gesto certeiro
(e a fumaça envolta azulando um nirvana).
_ é assim que ela acende o cigarro.
Empreita
Aciona a engenharia de milênios
a matéria que subsiste
através
apesar
ao encontro de (solos)
de encontro a (pedras)
Erige-se a coluna sólida
&
porosa
cujo oco é não o derruído
mas o elevadiço medular
Osso sustenta
isso que levita
por cabos
Óssea monta-se a permanência
do que em cima
quase
descola-se do (outro) todo fixado:
superestrutura
Calcula-se em espáduas, esternos, membros
esse mistério (truque):
por-se de pé
O efeito mais estético do planejado é ausentar-se
desaparecer no levante
(à aparência de bípede naturalidade)
Antropocena a lombar projeta
esse urro
que ecoa por sobre o espaço (jornada, geometria):
o rangido arquitechtônico
Mélica
Insufla com emissão
a carnal lira,
tesa ou distendida a corda na laringe;
o ar na traquéia
Pressiona com soprodígito
ponto ou deslizamento;
abre fecha altura
e sutileza,
acaso e preciso
(sustenta o arco o eu-operário)
O olho acompanha o ritmo
A mão completa a frase (o acento)
A postura adoça o canto
A boca solo entoa
vibrática colméia:
prega aderência na recepção
Don't talk just kiss
Seja minha fome a da musa
Sejam meus olhos o gosto em sua língua
Flamejante
Seja seu peso o descanso de meus braços
Que flua através
De meu plasma
O jorro incontornável de suas mãos
Que me venha inteira sem anunciação:
Eu consinto
(O toque leve & febril da ponta de sua asa em meu ombro me faça um filho)
O delineio de sua forma incontida
Seja para mim impenetrável
Sua mirada fulminante abata
Tudo que sei
Que eu seja nua broto feto promessa
Diante de suas ávidas entranhas
Transbordantes para além de um conteúdo
Impossível
De puro silêncio
De palavra-primeira
De gênese do belo
De repetição
Do que não foi (Por tão imenso não coube no mundo)
Seja meu desejo
Capturar o instante inapreensível
De sua aparição
Seja minha necessidade ser presa
De seus justos caprichos
De sua liberdade de pairar
Irreconhecível
Invisível
Desaparecida entre coisas por demais humanas
Seja seu sopro
O torno de meu barro
Seja sua água
A vida de minha definição
Sua boca seja minha mãe
Sua voz meu poço
Meu ouro seja seu castelo (Ainda que queimado)
Ó musa disfarçada
(Em guerra Em céu Em rosa Em doença Em sexo)
Seja minha mímesis sua capa
Sejam suas horas
O breve de meu perpétuo
O infinito de meu momento
(A seus pés seja o agora para mim miragem & espectro)
Ó musa ineludível
Seja seu nomadismo minha âncora
Seja seu passo minha volta
Seja seu rastro meu deslocamento (Ainda que imóvel entre mim & mim)
Reponha-me
Musa
No que paira:
O sonho sem sono
A fagulha
A ignição
A cappella
minha devoção são essas iconografias _
a floracústica
a haste em seu timbre
a luz na duração da flor;
em altura curvo-me às liturgias da terra
Celeste seja a densidade da gramínea (posto que emite)
Consagrada seja a pauta receptora em vibração
de pé no chão púrpura comungo
a transubstância sem vestes
/confesso com dissonância/
/redimo intra intervalo/
/ascendo no dito volume/
em minha nave o cântico dos cânticos:
zumbidos propagam trítonos
D' Obras
a tripa do boi é seu fato;
o resto é prova do havido
Trilogia do teu perfume favorito
1 minha sede é a de beber do teu copo
porque tua liquidez cabe nos meus poros
(nesses dias aprendi a memória de nossa permeabilidade,
me abri em canais)
meus pulmões respiram no teu lado solar
no amplo aberto do teu plexo
(meus alvéolos extrañam tua fotossíntese)
2 na minha fome circulam tuas hemoglobinas
a avidez por teu coração-bomba
o venoso de tua pulsão
(minha carne é vermelha por detrás de teus dentes)
me movimenta o calado de tuas mãos
a permanência de tuas falanges
(no gesto fundo-me contigo)
3 meu descanso é a repetição
de teus extáticos;
sonhando teus átomos interpenetro-te
(fissuro teus nexos)
meu sexo é esse bestiário _ VIVO _
que te habita
minha paz é teu extremo & tua urgência
Retrogosto
um frisson em "tília"
um erótico em "continente"
uma pausa em "membrana"
um regozijo em "ao largo"
palato na ponta da palavra
no fundo notas escandidas
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